CONFIANÇA
Publicado no jornal ZH hoje
Artigo
Confiança
ALOYZIO ACHUTTI/ Membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina
A enxurrada recente de notícias nacionais sobre corrupção, sobrepondo-se à disseminada e crescente onda de violência, faz lembrar o livro A Sociedade de Confiança. Ensaio sobre as origens e a natureza do desenvolvimento, do escritor francês Alain Peyrefitte, falecido em 1999, membro da Academia Francesa, e várias vezes ministro de governo. À parte qualquer polarização ideológica, parece não haver dúvida de que um clima de confiança faz bem para a qualidade de vida e para a saúde. Não há dúvida também de que esta seja uma condição essencial para qualquer tipo de negociação. Negociar não é só importante no comércio e na economia. Negócio é uma transação bilateral. Vive-se de trocas e de tomadas de decisões de interesse para a subsistência e o bem-estar: com o meio ambiente, com os fornecedores, com parceiros, e também na vida afetiva de cada um. Quando se escolhe não se faz de olhos fechados, não se entrega um mandato cegamente, não se adquire um produto sem testar sua qualidade. Mas é preciso um mínimo de confiança para subsistir e desenvolver, e não ficar paralisado ou paranóico. Há um clima mundial contagioso de terrorismo multilateral, no qual todos desconfiam de todo mundo. Vivemos numa sociedade na qual foi rompido o pacto social e onde a violência substituiu a negociação. A mídia, ao mesmo tempo em que facilita a transparência e presta um grande serviço de comunicação e denúncia, reverbera a notícia escandalosa e o clima de insegurança e de desconfiança. Esse tipo de notícia tem demanda porque atende à exigência de alerta e porque fecha o círculo ao mexer com os mediadores químicos naturais que maquiam a depressão causada pela própria insegurança e frustração. Será que não existe mais ninguém confiável? Líderes políticos mentem e escondem a verdade, se aproveitam dos mandatos para roubar ou para se perpetuar no poder, em vez de buscar o interesse da população. Na indústria e no comércio, descobrem-se falcatruas pelas quais quem nada tem a ver termina pagando. A polícia e o Judiciário ou se dizem impotentes ou estão comprometidos. Profissionais da saúde não mais preservam o contrato básico da relação pessoal com o paciente, mas têm intermediários, estão submetidos a tentações e interesses secundários. Da religião, descobrem-se mistificações e desvios impensados no comportamento de seus ministros. Os ladrões não têm mais cara de bandido, não são mais maltrapilhos, nem têm características étnicas específicas, nem mais aparecem somente na calada da noite. Quem sabe a resposta está no que se aprende na prática médica: a maioria da população ainda é formada de gente saudável, em que pese haver uma concentração de doentes entre aqueles que buscam os consultórios e hospitais. É muito comum a distorção profissional do médico, olhando a todos como se doentes fossem... Provavelmente a maioria ainda acredita nos valores éticos e os preserva, e se esta maioria exercer o seu poder, for vigilante e estabelecer uma rede de confiança, ainda é capaz de evitar o descalabro. Não se pode ser ingênuo. É preciso ter cuidado com o conto-do-vigário, com a falsa propaganda, com o discurso vazio e aliciador, com o maneirismo político, com a especulação comercial e financeira. É preciso ter cautela e escolher bem com quem negociar e em quem confiar. É preciso continuar vivendo, negociando e trocando, na expectativa de ser este apenas um rito de passagem por uma fase de catarse capaz de nos conduzir a uma sociedade mais limpa, mais equânime, mais transparente e desenvolvida.
Artigo
Confiança
ALOYZIO ACHUTTI/ Membro da Academia Sul-Rio-Grandense de Medicina
A enxurrada recente de notícias nacionais sobre corrupção, sobrepondo-se à disseminada e crescente onda de violência, faz lembrar o livro A Sociedade de Confiança. Ensaio sobre as origens e a natureza do desenvolvimento, do escritor francês Alain Peyrefitte, falecido em 1999, membro da Academia Francesa, e várias vezes ministro de governo. À parte qualquer polarização ideológica, parece não haver dúvida de que um clima de confiança faz bem para a qualidade de vida e para a saúde. Não há dúvida também de que esta seja uma condição essencial para qualquer tipo de negociação. Negociar não é só importante no comércio e na economia. Negócio é uma transação bilateral. Vive-se de trocas e de tomadas de decisões de interesse para a subsistência e o bem-estar: com o meio ambiente, com os fornecedores, com parceiros, e também na vida afetiva de cada um. Quando se escolhe não se faz de olhos fechados, não se entrega um mandato cegamente, não se adquire um produto sem testar sua qualidade. Mas é preciso um mínimo de confiança para subsistir e desenvolver, e não ficar paralisado ou paranóico. Há um clima mundial contagioso de terrorismo multilateral, no qual todos desconfiam de todo mundo. Vivemos numa sociedade na qual foi rompido o pacto social e onde a violência substituiu a negociação. A mídia, ao mesmo tempo em que facilita a transparência e presta um grande serviço de comunicação e denúncia, reverbera a notícia escandalosa e o clima de insegurança e de desconfiança. Esse tipo de notícia tem demanda porque atende à exigência de alerta e porque fecha o círculo ao mexer com os mediadores químicos naturais que maquiam a depressão causada pela própria insegurança e frustração. Será que não existe mais ninguém confiável? Líderes políticos mentem e escondem a verdade, se aproveitam dos mandatos para roubar ou para se perpetuar no poder, em vez de buscar o interesse da população. Na indústria e no comércio, descobrem-se falcatruas pelas quais quem nada tem a ver termina pagando. A polícia e o Judiciário ou se dizem impotentes ou estão comprometidos. Profissionais da saúde não mais preservam o contrato básico da relação pessoal com o paciente, mas têm intermediários, estão submetidos a tentações e interesses secundários. Da religião, descobrem-se mistificações e desvios impensados no comportamento de seus ministros. Os ladrões não têm mais cara de bandido, não são mais maltrapilhos, nem têm características étnicas específicas, nem mais aparecem somente na calada da noite. Quem sabe a resposta está no que se aprende na prática médica: a maioria da população ainda é formada de gente saudável, em que pese haver uma concentração de doentes entre aqueles que buscam os consultórios e hospitais. É muito comum a distorção profissional do médico, olhando a todos como se doentes fossem... Provavelmente a maioria ainda acredita nos valores éticos e os preserva, e se esta maioria exercer o seu poder, for vigilante e estabelecer uma rede de confiança, ainda é capaz de evitar o descalabro. Não se pode ser ingênuo. É preciso ter cuidado com o conto-do-vigário, com a falsa propaganda, com o discurso vazio e aliciador, com o maneirismo político, com a especulação comercial e financeira. É preciso ter cautela e escolher bem com quem negociar e em quem confiar. É preciso continuar vivendo, negociando e trocando, na expectativa de ser este apenas um rito de passagem por uma fase de catarse capaz de nos conduzir a uma sociedade mais limpa, mais equânime, mais transparente e desenvolvida.
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